
Debates da Plenária Nacional promovem fortes reflexões sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o ambiente sindical
Por: Camila Bordinha
A 23ª Plenária Nacional do SINPAF teve início nesta quarta-feira (22/5) e seguiu nesta sexta-feira (23/05), na sede da Contag, em Brasília, com mesas de debate sobre temas sensíveis a toda a sociedade e estratégicos para a classe trabalhadora e a categoria da base do SINPAF. Nos dois dias, representantes sindicais, especialistas e trabalhadores abordaram a transição energética, os desafios do orçamento público nas estatais e a situação dos distritos de irrigação vinculados à Codevasf, racismo, gênero, diversidade e planos de previdência e de saúde da Embrapa e da Codevasf.
Transição energética e justiça social

Após a abertura e a mesa de conjuntura política e econômica, na manhã da quinta-feira, a evento seguiu com o tema “Transição Justa e nosso papel nesse processo” e contou com a participação da presidenta do Sindipetro-RS, Miriam Cabreira e da presidenta do CUT-PA, Vera Paolani.
Em sua fala, Cabreira alertou para a condução do processo de transição energética no Brasil sob a lógica do mercado e da exploração dos territórios. “Pra gente fazer transição energética no nosso país e no Sul Global, na América Latina, a gente vai precisar da interferência e da coordenação do Estado. Senão, o que a gente vai ver é a reprodução do colonialismo que nós já vivemos desde que nossas terras foram invadidas.”
Segundo ela, a transição energética está sendo apropriada pelo capital financeiro e transformada em produto. “Tudo que estamos vivendo hoje — enchentes, tragédias climáticas, reconstrução — virou oportunidade de negócio para o capitalismo. Até a transição energética virou produto.”
Cabreira também criticou o modelo exportador de energia limpa, que repete a lógica colonial: “Vamos exportar energia limpa como matéria-prima e importar tecnologia para transformá-la. É o mesmo modelo que já vivemos com alimentos e petróleo.”
A dirigente sindical Vera Paoloni reforçou a necessidade de ampliar o debate para fora do campo sindical. “As empresas públicas estão sendo usadas politicamente. Precisamos entender isso para fazer boas críticas e levar esse debate para a sociedade.”
Orçamento público e relações institucionais

Na mesa seguinte, intitulada “Orçamento Público e Relações Institucionais nas Empresas Públicas”, o técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Neuriberg Dias, expôs o cenário político no Congresso Nacional e seus impactos sobre as estatais. Segundo ele, o governo federal enfrenta resistência dentro de um parlamento conservador:
“A estrutura política do Congresso Nacional é adversa. Não temos um presidente da Câmara nem do Senado que dialogue com o governo.”
Apesar das dificuldades, Dias destacou que houve avanços importantes. “Desde 1988, nunca se aprovou tanta legislação como agora. Foram grandes obras e leis sociais. Mas ainda temos pouco avanço em reformas estruturantes.”
A economista do DIEESE, Mariel Angeli, apresentou dados sobre o encolhimento das estatais. “Hoje temos menos de 450 mil pessoas trabalhando em estatais, sendo menos de 95 mil nas dependentes.” Ela também reforçou o caráter social dessas instituições: “Empresas como Embrapa e Codevasf não foram criadas para dar lucro, mas para promover desenvolvimento.”
Ela também alertou para o uso político dessas instituições. “O orçamento da Codevasf aumentou muito. Mas quem está tomando conta dos projetos? O mesmo Congresso conservador que o Neuriberg apresentou.”
Irrigação pública sob risco

A terceira mesa tratou dos desafios enfrentados pelos Distritos de Irrigação (DI) vinculados à Codevasf. Carlos Hermínio, representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da empresa, relembrou o propósito dos distritos. “Os DI nasceram de uma política pública inspirada em experiências como a do México, onde irrigação é tratada como política estruturante. A irrigação garante comida e dignidade.”
Carlos Alberto apresentou os impactos positivos desses projetos: “Temos mais de R$ 38 bilhões em valor bruto de produção, 18 mil famílias beneficiadas, 356 mil empregos gerados e mais de 4,4 milhões de toneladas produzidas. Tudo isso graças à irrigação pública e à pesquisa.”
Ele alertou, no entanto, para o risco de colapso em regiões como o Baixo São Francisco e Itaparica: “Temos projetos prestes a colapsar. Falta investimento em infraestrutura e fontes alternativas de energia. Quanto menos se investe, mais caro fica.”
Clézio Santos, do Distrito Formoso (BA), defendeu o papel da Codevasf como garantidora da operação: “Só conseguimos operar com apoio da Codevasf. Hoje temos 98 funcionários e mais de 19 mil hectares irrigados.”
Já Eduardo Escarquete, dirigente da Seção Sindical Bom Jesus da Lapa, encerrou os debates do dia contando como o sindicato local negociou e conquistou direitos para os trabalhadores e trabalhadoras do Distrito de Formoso, como a compensação do banco de horas negativas, “que precisam ser aprovados pelo conselho de representantes dos produtores, que são a fonte de renda do DI.”
Racismo é estrutural: lutar é dever coletivo

Na mesa “Combate ao Racismo: uma luta coletiva”, a ativista social Karoline Bandeira destacou que, mesmo 137 anos após a abolição formal da escravidão, o racismo permanece vivo e estrutural na sociedade brasileira. “A abolição foi fake. Não houve reparação, e seguimos em um sistema que marginaliza negros e negras, especialmente no mercado de trabalho”, afirmou.
Ela lembrou que o racismo é crime desde 1989, mas segue frequentemente impune. A ativista ressaltou que quem se omite também perpetua o racismo. “Ou mudamos nossa mentalidade, ou as próximas gerações continuarão sofrendo as consequências dessa violência histórica”, alertou.
Entre as propostas para o enfrentamento estão: a criação de comitês de diversidade, políticas antirracistas efetivas, canais seguros de denúncia, ações afirmativas e programas de empregabilidade.
Zeca Magalhães, diretor de Relações Institucionais do SINPAF, trouxe à tona o chamado “pacto da branquitude”, referenciando ao livro, da autora Cida Betno, e a ausência de pessoas negras nos espaços de poder, inclusive nos sindicatos. “A base da nossa categoria é majoritariamente negra, mas não vemos essa representatividade na gestão sindical. Isso precisa mudar”, defendeu.
Na ocasião, o diretor distribuiu 35 livros ‘Pacto da Branquitude,’ da autora Cida Bento, e 35 unidades do livro ‘Pequeno Manual Antirrascista,’ de Djamila Ribeiro, aos delegados e delegadas. ”.
Mulheres: vítimas da exploração e do medo

Na mesa sobre gênero, a secretária da Mulher da CUT-DF, Thaísa Magalhães, apontou que a desigualdade vivida pelas mulheres é fruto de uma construção histórica baseada no patriarcado e no racismo. “Mulheres pobres e negras sempre trabalharam para sobreviver, mas seu trabalho — produtivo ou reprodutivo — continua sendo desvalorizado”, explicou.
A sindicalista denunciou o impacto da dupla e até tripla jornada de trabalho feminina, a falta de creches e políticas públicas de saúde, além da responsabilização social imposta às mulheres pelos cuidados com a família. “Esse é um projeto de manutenção de privilégios”, disse.
Thaísa também ressaltou a importância de os homens se engajarem na desconstrução de práticas machistas e violentas. “A violência é uma poderosa ferramenta de controle social. E enquanto não rompermos com essa cultura, todas as mulheres seguirão em risco.”
Antonio Megale, da assessoria jurídica do SINPAF, trouxe dados alarmantes: de 2014 a 2024, mais de meio milhão de estupros foram registrados no Brasil, a maioria contra mulheres negras. “A justiça começa a avançar com protocolos de julgamento com perspectiva de gênero, mas ainda é um longo caminho.”
Diversidade e inclusão: do discurso à prática
A mesa “Inclusão e Diversidade: da teoria à prática” contou com uma aula sobre gênero e sexualidade do ativista Johari Silva, da Casa Dulce Seixas. Ele apresentou uma linha do tempo com marcos históricos da luta LGBTQIAPN+ e destacou que a violência contra essa população é persistente. “O Brasil segue como o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Em 2023, uma pessoa foi morta a cada 32 horas”, denunciou.
Johari relembrou figuras históricas que foram perseguidas como Chica Manicongo e Felipa de Souza, e reivindicou que os direitos conquistados — como o nome social, o casamento homoafetivo e a criminalização da LGBTfobia — sejam mantidos e ampliados. “Nossos corpos não são fetiches, são sujeitos de direito”, afirmou.
João Macedo, da CUT-DF, lembrou que estar no movimento sindical não é estar fora da sociedade. “Se há machismo, racismo ou LGBTfobia nas ruas, há também nos sindicatos. Cabe a nós sermos agentes da mudança.”
Planos de Previdência da Codevasf e da Embrapa
A mesa “Planos de Previdência” do evento reuniu representantes da Fundação São Francisco, da Fundação Ceres, da assessoria jurídica LBS, com a coordenação do diretor Jurídico e Previdenciário do SINPAF, Adilson F. Mota, para discutir a situação dos planos previdenciários da Codevasf e da Embrapa. O foco esteve em temas como comunicação, governança, desempenho dos fundos, saldamento e direitos dos participantes.
Fábio Noronha, da Fundação São Francisco, destacou os avanços na comunicação com os participantes da Codevasf, como lives, informativos mensais, pesquisas de satisfação e melhorias no site institucional. Ressaltou que cerca de 70% dos novos empregados aderem ao plano de previdência no primeiro mês, com contribuição máxima — o que representa, segundo ele, um “salário adicional” anual ao participante.
Noronha apresentou os três planos em operação: o Codeprev (Plano II), o BD (Plano I) e o plano saldado (Plano III). Informou que houve troca do atuário por um profissional com maior capacidade de atendimento e novos estudos de aderência foram aprovados para os três planos. Também foi implementado um novo sistema de consulta de óbitos. Em 2024, o Codeprev obteve rentabilidade de 183,9%, 50% acima da Selic, e mesmo com a volatilidade do mercado, todos os planos apresentaram superávit. O relatório anual da fundação está disponível em www.franweb.com.br, na seção “Acesso à Informação”.
Murilo Xavier Flôres, presidente da Fundação Ceres, abordou quatro temas principais. Afirmou que todos os anos a fundação tem cumprido e superado a meta atuarial e que a queda em 2024 já foi revertida em 2025. Explicou que a contribuição extraordinária, que voltou a ser cobrada em 2025, decorre de uma reforma constitucional que alterou o regime de contrapartida da Embrapa, e não de problemas de rentabilidade. Destacou que essa contribuição é flutuante e pode ser suspensa em anos com bom desempenho.
Murilo anunciou que o processo de saldamento está avançado, com resposta às últimas exigências da Previc prevista até julho. A contratação de uma auditoria atuarial foi anunciada para revisar a situação individual dos participantes não-iminentes. Após a conclusão, os dados serão apresentados à Embrapa e debatidos com os trabalhadores.
Flôres também propôs a criação do “Ceres Day”, uma tarde de imersão para esclarecer como funciona a fundação, com foco em cálculos atuariais, investimentos e governança. A primeira edição será em 29 de maio, e uma segunda edição será dedicada exclusivamente ao SINPAF.
Dra. Gláucia, da assessoria jurídica do SINPAF (LBS Advogadas e Advogados), alertou sobre a restrição de informações impostas por termos de confidencialidade e defendeu que o sindicato participe do processo de auditoria para garantir que nenhum participante seja prejudicado. Reforçou que qualquer perda pode ser judicializada, o que geraria passivos graves para os fundos. Informou ainda que o STJ julgará em 5 de junho a possibilidade de dedução no Imposto de Renda das contribuições extraordinárias pagas, conforme ação movida pelo SINPAF, o que pode reduzir os impactos financeiros aos participantes.
Adilson F. Mota, diretor jurídico do SINPAF, cobrou mais transparência da Ceres, principalmente em relação aos participantes não-iminentes, que não foram incluídos no debate sobre o saldamento. Questionou por que o processo foi encaminhado à Previc sem o conhecimento do sindicato e reforçou a necessidade de garantir tratamento igualitário a todos os participantes.
A mesa deixou evidente a importância de diálogo constante, transparência e participação ativa das entidades representativas nos processos que afetam diretamente a aposentadoria dos trabalhadores.Parte superior do formulário