Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário
Embrapa: foto com uma pessoa segurando o símbolo das pessoas com deficiência. Do lado direito um menino com síndrome de dow. Ele é loiro. Do lado esquerdo, uma menina cadeirante negra com cabelos longos.

Auxílio para Filhos com Deficiência: Embrapa ignora direitos e agrava desigualdades

1 de outubro de 2024
Por: Gisliene Hesse

O Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) é um instrumento fundamental para a garantia dos direitos dos/das trabalhadores/as, especialmente em empresas públicas como a Embrapa, que carrega o prestígio de ser uma das maiores instituições de pesquisa agropecuária do mundo. Entretanto, as negociações do ACT 2023-2024 revelam um cenário de descaso e resistência por parte da empresa em relação a questões sociais de extrema relevância como a cláusula de auxílio a filhos/as ou dependentes com deficiência.

O Sinpaf tem priorizado a inclusão de cláusulas sociais que elencou como “cláusulas dos cuidados” direcionadas ao bem-estar dos/das empregados/as. Uma dessas cláusulas é 3.13 do ACT, que prevê auxílio financeiro a empregados com filhos/as ou dependentes com deficiência. No entanto, apesar dos esforços do Sinpaf, a Embrapa insiste em usar uma norma interna ultrapassada de 1996, chamada “Concessão de Auxílio Excepcional”, para determinar quem tem direito a esse auxílio, o que resulta na exclusão de muitos trabalhadores e trabalhadoras desse benefício.

Entenda o que está em jogo

Atualmente, o ACT prevê um auxílio mensal para empregados com filhos/as ou dependentes com deficiência, destinado a cobrir despesas com tratamentos e/ou escolas especializadas. Em primeiro lugar, o Sinpaf, defende a ampliação do nome da cláusula que passaria de “Auxílio para filhos/as ou dependentes com deficiência” para “Auxílio para Empregados/as com filhos/as ou dependentes com deficiência, inclusive espectro autista, ou com doença crônica, degenerativa ou câncer”.

O objetivo da mudança é de abranger todos os tipos de deficiência, mas também, as doenças crônicas, como o câncer.

No entanto, a empresa tem criado resistência para modificar essa cláusula. O principal obstáculo para a aplicação do item é a norma interna defasada que a Embrapa utiliza para restringir o alcance do auxílio. Essa norma, de 1996, limita o benefício apenas para os dependentes que apresentam anomalia ou distúrbios mentais, para se referir a pessoas com deficiência intelectual, excluindo aqueles com deficiências físicas, transtornos como o TEA ou doenças crônicas e degenerativas.

Essa atitude da empresa é um claro desrespeito às leis nacionais e, principalmente, à Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com deficiência promulgada pelo Brasil desde 2009. A Convenção propõe uma mudança fundamental na forma como a sociedade e as leis enxergam as pessoas com deficiência. Um de seus principais avanços foi a definição clara e abrangente do que significa ser uma pessoa com deficiência, estabelecendo um novo paradigma baseado nos direitos humanos e na inclusão.

Conforme o Artigo 1 da Convenção, pessoas com deficiência são:

“Aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

O Sinpaf acredita que essa definição é fundamental porque não se limita a uma característica médica ou física, mas adota uma abordagem biopsicossocial, considerando como a deficiência resulta de uma combinação entre as limitações individuais e as barreiras que a sociedade impõe.

A norma interna da Embrapa é de 1996

Mesmo com a ratificação da Convenção e a publicação da Lei Brasileira de Inclusão, em 2015, a Embrapa continua a basear suas decisões sobre o auxílio em uma norma interna de quase três décadas atrás, que está em desacordo com as legislações mais atuais e inclusivas.

A norma de 1996 foi concebida em um contexto onde as definições de deficiência eram muito mais restritivas, refletindo um entendimento arcaico da questão. Ela usa o termo “excepcional” para se referir a pessoas com deficiência intelectual, terminologia que foi superada há décadas. Hoje, o termo “pessoa com deficiência” é amplamente aceito e recomendado pelas Nações Unidas e pela legislação brasileira.

Ao manter essa norma, a Embrapa está desconsiderando o avanço das políticas públicas de inclusão e os direitos assegurados às pessoas com deficiência

“A insistência da empresa em utilizar essa regra ultrapassada reflete um descaso não apenas com as necessidades dos seus trabalhadores e suas trabalhadoras, mas também com o dever legal e ético de promover a inclusão e a equidade no ambiente de trabalho”, destaca Marcus Vinicius Sidoruk Vidal, presidente do SINPAF.

Consequências

As consequências desse descaso são graves: pais e mães de dependentes com deficiências não atendidas pela norma estão sendo privados de um benefício ao qual têm direito, o que coloca uma pressão emocional e financeira sobre esses/as trabalhadores/as.

Em uma lista divulgada pela própria Embrapa, foi identificado que 96 dependentes que comprovadamente têm algum tipo de deficiência não estão recebendo o auxílio, o que é inaceitável. Essa recusa em pagar o auxílio legitimo evidencia uma política de exclusão que vai contra o espírito de solidariedade e justiça social que deveria reger uma empresa pública.

Waltterlenne Englen, integrante da Comissão Nacional de Negociação (CNN) do Sinpaf e presidente da Seção Sindical de Goiânia, trouxe um testemunho contundente sobre a realidade enfrentada pelos trabalhadores:

“A própria Embrapa disponibilizou uma lista que indica um número de 96 dependentes com deficiência que, apesar de terem comprovado a deficiência de seus dependentes, ainda não recebem o auxílio, por conta dessa norma antiga, que nem deveria sobrepor o ACT”, destaca Waltterlenne Englen.

O integrante da CNN ressaltou ainda que  a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, e a diretora de Pessoas, Serviços e Finanças da Embrapa, Selma Beltrão, se comprometeram a mudar esse cenário, mas até o momento as negativas persistem.

“É um prejuízo social muito grande utilizar uma norma contrária ao dispositivo acordado no ACT para negar um benefício legítimo a quem tem direito. É necessário garantir os direitos desses/as trabalhadores/as”, criticou Waltterlenne Englen.

Na última mesa de negociação, Englen questionou a empresa sobre qual o período seria necessário para a atualização da norma. “A Embrapa solicitou o prazo de mais 180 dias. São mais seis meses de espera para quem aguarda”, completou Englen.

A inação da Embrapa coloca em risco não apenas o bem-estar dos/das empregados/as, mas também sua própria reputação como uma instituição pública comprometida com a inclusão e a justiça social.

“Precisamos avançar e garantir os direitos dos/das trabalhadores/as. Não adianta as leis do nosso país estarem atualizadas e as nossas empresas não se atualizarem. É necessário um compromisso maior por parte da empresa com a responsabilidade social e com os valores democráticos que deveriam guiar suas práticas. Para nós o que está em jogo vai além de um benefício econômico, trata-se do reconhecimento de direitos fundamentais e da garantia de dignidade para as famílias dos trabalhadores e das trabalhadoras”, finaliza Marcus Vinicius.

O Sindicato tem auxiliado a Embrapa na construção de um ACT mais social e condizente com as inovações jurídicas, mas a empresa insiste em manter regras retrogradas.

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