Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário

Povos originários e luta das mulheres são destaques no 1º dia da 27ª Plenária Regional Norte

18 de março de 2023
Por: Camila Bordinha

Texto: Nicoly Ambrosio

A 27ª Plenária Regional Norte do SINPAF iniciou neste sábado (18), em Manaus, capital do Amazonas, debatendo questões pertinentes aos trabalhadores e trabalhadoras da Embrapa. A partir da análise de conjuntura política, sindical e estratégica, foi discutida a reestruturação do movimento sindical, o direito dos trabalhadores e trabalhadoras de se organizarem politicamente, além da exaltação à participação das mulheres nas decisões da organização.

Ressaltando as dificuldades que a classe trabalhadora sofreu nos últimos quatro anos, os membros do sindicato pediram novamente “Fora Moretti” da presidência da Embrapa. O presidente do SINPAF, Marcus Vinicius Sidoruk Vidal, falou a respeito da necessidade da politização dos debates dentro da instituição face aos ataques sofridos, reforçando o papel fundamental das plenárias presenciais.

“Estamos retomando com mais força essa reconstrução do sindicato, ressaltando as plenárias que são espaços de luta e formação importantes dentro dessa conjuntura de um governo democrático. Nós precisamos fazer a nossa parte e reivindicar, trazer propostas e cobrar, e aqui nessa plenária eu espero que nós cheguemos a uma posição para tirar essa diretoria da Embrapa o mais breve possível. A democracia não chegou na Embrapa e queremos deliberar até o final da plenária o ‘Fora Moretti’, afirmou o presidente.

A plenária seguiu com as falas dos convidados sobre a responsabilidade de se defender a democracia nesta nova conjuntura política a fim de que o movimento sindical seja fortalecido. “Precisamos sair do assistencialismo, que é apolítico e despolitizado, uma coisa ruim porque não fortalece o operário. Para fazer luta precisa de grana e gente, uma tarefa importante. Os sindicatos são engrenagem da luta de trabalhadores e trabalhadoras em qualquer país, mas o assistencialismo permeia o movimento sindical”, disse Walter Matos, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Amazonas.

Novo governo e diversidade

A chegada do presidente Lula (PT) ao governo foi discutida como fundamental para a organização das plenárias regionais do SINPAF, salientou Orlando Silva, diretor Regional Nordeste do SINPAF. “É importante frisar que estamos com um governo mais próximo de nós, que possibilitou nossa organização nestas plenárias e em mobilizações como fizemos na porta da Codevasf. Se fosse no governo anterior não teríamos possibilidade de conversar com o órgão, pois iriam chamar a polícia e nos prender por protestar”. 

Para Walter Matos, o novo governo representa um momento “completamente diferente”, mas que traz uma grande responsabilidade para os sindicalistas, que devem estar preparados para cobrar seus direitos e interesses. “O bolsonarismo se enraizou na administração pública, nas empresas públicas. Isso foi terrível e nefasto para o serviço público, nós saímos de um período de supressão de direitos e de liberdade de se organizar. Durante os 4 anos de Governo Bolsonaro não podíamos distribuir boletim ou fazer reunião”, relembra.

Orlando chamou atenção para o cenário de exportação do Brasil, que segundo ele é um processo que acontece “às custas do suor dos trabalhadores”, com teor de preconceito e exploração de negros, indígenas, pobres e mulheres.

A inclusão desses grupos minoritários no sindicato foi debatida como trabalho de politização, com destaque para a região norte que tem o maior número de presidentas de Seções do SINPAF. 

Andréa Matos, da CUT Rio de Janeiro, defendeu a agricultura de precisão, um processo baseado na experiência dos povos tradicionais, adotando o conhecimento das novas tecnologias de satélite. “A gente precisa estar legitimamente dentro dessa nova proposta de pesquisa agropecuária, prevendo os nossos interesses e encaminhamentos”, disse.

Desafios nas relações de trabalho

A representante dos trabalhadores e trabalhadoras no Consad (Conselho Administrativo), Selma Beltrão, criticou projetos da empresa como o Transforma Embrapa, afirmando que após sua implementação houve mudanças bruscas no tratamento institucional da empresa e que os resultados das pesquisas passaram a ser priorizados a partir do que pode ser monetizado e encaminhado ao mercado privado:

“A Embrapa deixou de priorizar projetos como apoio e fomento de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar e comunidades tradicionais. Esse modelo (Transforma) vem sendo usado desde 2018 e foi evoluindo de forma que apenas 38% dos processos são focados em pesquisa e desenvolvimento e o resto é direcionado a inovação e parceria com o setor privado, para ficar à disposição do mercado”, afirmou.

O presidente do SINPAF, Marcus Vinicius, diz que o Transforma Embrapa representa a tentativa de privatização da instituição e legitima a entrega da pesquisa pública para o setor privado. “É um projeto de disputa do conhecimento público em função dos interesses privados,” afirmou. 

A mesa pediu pela retirada da atual presidência alertando para o aprofundamento do desmonte da Embrapa se projetos como o Transforma e a terceirização continuarem operando. Apontaram também problemas na estrutura organizacional da empresa, alegando lentidão nas tomadas de decisão e um péssimo clima organizacional com a criação do Centro de Serviço Compartilhado, que são áreas que abrigam gestão de pessoas, contratos, design e biblioteca, funcionando de forma unificada.

Os representantes do SINPAF criticaram também a terceirização dos assistentes da empresa, projeto aprovado no fim do ano passado mesmo com os riscos apontados pelos sindicalistas. A Embrapa justificou a terceirização alegando falta de funcionários. Os sindicalistas pediram pela abertura de concurso público da Embrapa, que não acontece há 12 anos. “A permanência da diretoria atual na empresa representa o maior risco de aprofundamento desse processo de desmonte”, disse Selma.

Mulheres em movimento: ativismo e movimentos sociais

A mesa final do primeiro dia da 27ª Plenária Regional Norte do SINPAF, coordenada pela diretora de Políticas Públicas e Cidadania, Ilmarina Menezes, tratou da luta das mulheres ativistas dentro e fora do sindicato. Mirane Costa, Diretora Regional Centro-Oeste do SINPAF, relembrou que trabalha na Embrapa desde 1989 quando se inseriu no movimento sindical na região do Pantanal, de onde veio. “Tenho orgulho de dizer que trouxe para dentro do sindicato o debate e a luta contra o assédio moral”, disse.

Feministas, as mulheres da mesa fizeram questão de denunciar a impunidade em torno da morte da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em 2018. Há 5 anos sem respostas, elas pedem justiça e pontuam a escalada da violência contra as mulheres, principalmente as negras, indígenas e periféricas.

“A luta feminista é uma luta pelo bem da humanidade”, disse Elisa Wandelli, sindicalista do SINPAF/AM.

A ativista indígena Vanda Witoto, do povo Witoto do médio Rio Solimões, interior do Amazonas, foi a mulher indígena mais votada do Amazonas nas últimas eleições gerais, como candidata a deputada federal. Ela afirmou que, na ausência das mulheres em espaços políticos, “as mulheres indígenas têm feito essa caminhada e abriu caminhos com a chamada Bancada do Cocar”. 

Vanda citou a importância do trabalho da Embrapa junto aos povos originários e tradicionais, para garantir segurança alimentar nessas comunidades por meio da agricultura familiar. “A Embrapa aliar a tecnologia deles com as tecnologias ancestrais dos povos indígenas é muito importante para que possamos continuar a viver nos nossos territórios. A alimentação é sagrada e garante a abundância de pensamento, a abundância de compartilhamento”, afirmou a ativista. 

Ela ainda ressaltou que muitas mulheres indígenas vivem ameaçadas nos seus territórios e colocam seus corpos em defesa da terra. “Nossa ancestralidade é violentada, apagada e estuprada. Essas violências continuam presentes na nossa vida, o processo de colonização está muito mais vivo do que podemos imaginar”, denunciou.

Jornalista, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e co-fundadora do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas), Ivania Vieira concluiu a rodada de falas pontuando sobre o papel da mulher como ferramenta para combater a “colonização das mentes”. A professora lembrou que a presença de mulheres na agronomia no Amazonas é apagada e silenciada. Ela ainda provocou: “Qual o impacto desse apagamento na vida das mulheres da Embrapa? A gestão geral segue nas mãos dos homens”, disse.

Arte amazônida

O espaço do evento abrigou exposições fotográficas de artistas amazonenses, entre eles o cineasta e fotógrafo indígena Paulo Desana, com sua série que une imagens e tintas fluorescentes, e retrata a mitologia da viagem da Cobra-Canoa da Transformação, que na língua Tukano se chama “Pamürɨmasa” (os Espíritos da Transformação) e intitula a obra.

Foram expostas também as fotografias de Raphael Alves, premiado fotógrafo e jornalista, que fotografou o cotidiano de Cunhaporanga Tatuyo, jovem indígena e influenciadora digital que possui mais de 100 milhões de visualizações na plataforma TikTok. 

Para finalizar, Vanda Witoto apresentou cânticos sagrados que evocam a ancestralidade das mulheres de seu Witoto.

Ao final, todas as delegadas e delegados, convidadas e convidados, uniram-se num círculo de música e dança ancestral, coordenado pelas mulheres indígenas Witoto e Munduku.

Assista ao vídeo-resumo do primeiro dia:

Veja as fotos

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