Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário

O Estatuto e a Lei que engessam a Embrapa

31 de janeiro de 2023
Por: Antônio Luiz Oliveira Heberlê

Parece oportuno, no momento em que se está próximo às mudanças de comando na Embrapa, falar de assuntos fundantes para a continuidade da instituição. Refiro-me ao seu Estatuto, já que embasado nele devemos orientar as ações tanto da área de pesquisa quando da administração e logística em geral. 

O novo Estatuto da Embrapa, aprovado na Assembleia Geral no dia 9 de novembro de 2022 e publicado no Diário Oficial da União precisa ser observado com a máxima atenção. Se possível deveria ser revisado, para que a empresa funcione adequadamente e cumpra os seus objetivos de instituição de Estado. Logo no início do Estatuto, quanto ao Objeto Social Art. 49, diz que:

“A Embrapa tem por objeto social promover, estimular, coordenar e executar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com o objetivo de produzir conhecimentos e tecnologia para o desenvolvimento agropecuário do País”.

Como se observa, o texto está orientando para a missão e não exatamente ao objetivo social, de uma instituição pública a serviço da sociedade. Para que esta prerrogativa elementar fosse atendida teria que ser alterado para algo parecido como:

“A Embrapa tem por objeto social promover, estimular, coordenar e executar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com o objetivo de atender necessidades identificadas pelos agentes públicos e setores da sociedade interessados na melhoria da produção agropecuária, mas também na qualidade de vida, sustentabilidade e segurança alimentar do País”. 

Afinal, se está falando do objetivo social da Empresa. Mas há algo muito limitante quando o Estatuto trata das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, ainda relativa ao que trata o artigo mencionado. Diz que tais atividades:

 “..abrangem prioritariamente as áreas do conhecimento relativas às ciências agrárias e às ciências biológicas, as áreas relacionadas com a agroindústria e outros temas correlatos, com vistas ao desenvolvimento do setor agropecuário”.

Ou seja, aspectos fundamentais para a interação da Embrapa com a sociedade continuam à margem, conforme igualmente foram deixados de lado nos últimos anos, como a socioeconomia, a antropologia e as ciências humanas e sociais, campos do conhecimento considerados e declaradamente acessórios para a empresa.     

Esta distorção e o descaso com áreas estratégicas para a interação social que culminaram com a extinção do DTT e do SCT, se cristaliza quando mais adiante a declaração objetiva do Estatuto é de que:

“As atividades de transferência de conhecimentos e de tecnologias definidas no inciso ll deste artigo não incluem atividades de ensino ou de assistência técnica e extensão rural”

Torna-se evidente que a Embrapa se afasta institucionalmente dos seus públicos e desconsidera a sua missão histórica, consignado na primeira missão, que data da sua criação em 1973. Naquela missão, que justifica a criação da empresa, dizia-se que seus propósitos eram de gerar e difundir conhecimentos. No Estatuto atual a articulação com ensino, assistência técnica extensão são excluídas. Rigorosamente não se podem fazer cursos, simpósios científicos, palestras técnico-instrucionais, dias de campo, capacitações presenciais e on-line, treinamentos, enfim, todo tipo de extensão.

Considero tudo isso um absurdo, especialmente se levarmos em conta os propósitos iniciais da Embrapa. Em seu discurso de posse, o diretor-presidente José Irineu Cabral destacou como foco da Embrapa o inventário de tecnologias, “a análise de projetos prioritários, a geração de tecnologias para os pequenos e médios produtores, a atenção para áreas de menor expressão econômica e a base de um programa de capacitação de recursos humanos.” Hoje tudo isso está fora de foco da instituição, o que é uma pena e um crime. 

Em relação ao atendimento ao Interesse Público em seu Art: 6º diz que “A Embrapa poderá ter suas atividades, sempre que consentâneas com seu objeto social, orientadas pela União de modo a contribuir para o interesse público que justificou a sua criação.”

O Estatuto parece falar de outra empresa e outros propósitos, já que ao fazer parte da estrutura do Estado, mesmo que de forma indireta, a Embrapa logicamente serve ao interesse público sempre e não de forma alternativa ou eventual, como sugere o texto. O mesmo se dá em relação ao seu posicionamento como empresa estratégica de Estado. Conforme o descrito no Art. 7, ela somente pode agir quando as instituições de mercado não estiverem atuando. 

“… a União somente poderá orientar a Empresa a assumir obrigações ou responsabilidades, incluindo a realização de projetos de investimento e assunção de custos/resultados operacionais específicos, em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado, quando estiver definida em lei ou regulamento, bem como prevista em contrato/convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-la observada a ampla publicidade desses instrumentos.

A Embrapa deve agir sempre, com projetos estratégicos, sem ter barreiras com competições que não lhe dizem respeito. A empresa do Estado atua em defesa da soberania nacional e não por outra proposta economicista de ocasião. Ao contrário, não será uma empresa de Estado.

E dentre outras, há ainda outra reparação a ser feita, em relação a constituição do seu Consad. De acordo com o Art. 28 são oito os seus membros. Dois indicados pelo Ministro da Agricultura, dois independentes, também indicados pelo Ministro da Agricultura, dois indicados pelo Ministro da Economia, um indicado pelo Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações e um representante dos empregados. Ou seja, são sete indicações de ministros e apenas um eleito representando efetivamente a sociedade e os empregados.

Mas como se não bastasse, o Estatuto veda ao representante dos empregados a participação em reuniões, discussões e deliberações sobre assuntos que envolvem relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, matérias de previdência complementar e assistenciais. Alegando conflito de interesses, o único representante (no caso atual a colega Selma Beltrão), não pode se manifestar quando o assunto se refere justamente aos interesses dos empregados que ela representa.

Como disse no inicio, é necessário dar uma olhada nesse Estatuto e na Lei da Estatais logo para não engessar as atividades da nossa empresa.

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